No Outubro Rosa, elas lutam para que campanha seja de janeiro a janeiro
Fonte: ndmais.com.br
Notícia publicada em: 19/10/2019
Autor: Patrícia Peron
No mês inteirinho dedicado à conscientização em torno do câncer, mulheres que enfrentaram a doença relatam suas dores e superações
“As pessoas ainda têm muito medo do câncer, de falar da doença, de se informar. Ainda formam um escudo em torno do assunto”, afirma Rita Maria de Campos Macedo, sobre dificuldades enfrentadas durante o trabalho de divulgação e conscientização que desenvolve no Instituto Gama, um grupo de apoio do Cepon (Centro de Pesquisas Oncológicas) de Santa Catarina, durante todo o ano e também no Outubro Rosa, campanha da qual participa por meio de parceria com a Amucc (Amor e União contra o Câncer).
A iniciativa, anual, é realizada mundialmente em outubro, com intenção de alertar a sociedade sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama. A mobilização visa também à disseminação de informações e ressalta a importância de olhar com atenção para a saúde, além de lutar por direitos como o atendimento médico e o tratamento, garantindo qualidade.
Durante todo o mês, o tema é abordado para encorajar as mulheres a realizarem seus exames. Iniciativas como essa são fundamentais para a detecção do câncer de mama, já que nos estágios iniciais a doença é assintomática.
Maria Machado, da Amucc, destaca que “o Outubro Rosa deve ser de janeiro a janeiro”. “Ao levarmos informação a quem precisa, ajudarmos quem passa pela doença, desmistificarmos a causa do câncer, estamos salvando vidas. Quanto mais cedo uma pessoa conseguir o diagnóstico, mais chances tem de sucesso no tratamento, de aumentar sua qualidade de vida.”
Para ela, outubro é um mês especial, em que a causa ganha visibilidade. A campanha foi trazida em 2009 para Florianópolis e, a cada ano, mais pessoas aderem à iniciativa, que promove a prevenção e a divulgação de informações.
“Mas é importante lembrarmos que esse trabalho é feito o ano todo, a prevenção é feita de janeiro a janeiro. É preciso conversarmos sobre o tema e os pacientes saberem que têm uma doença crônica. Que tem ajuda, apoio, que podem e devem ter qualidade de vida”, afirma Maria.
Histórias inspiradoras
Rita teve câncer de mama há 22 anos e câncer de útero, sete anos mais tarde. Ao contrário de muitas mulheres, que demoram para descobrir o problema por não fazerem exames regularmente, fazia o preventivo, mamografia e os outros testes todos os anos. Mas, de um preventivo ao outro, veio o primeiro diagnóstico, em 1997. Desde então, passou por uma cirurgia, seis sessões de quimioterapia e 38 de radioterapia.
Dois anos após o tratamento, teve que retirar a mama por complicações da radioterapia. Optou por não fazer a reconstrução. “Sou muito bem resolvida, se me amo assim, isso não me afeta em nada, para que fazer? Tenho um marido maravilhoso que me apoia em tudo e também nesta decisão. Eu acordo todos os dias feliz, agradeço a Deus porque tive câncer, pois se não fosse pela doença não faria parte desse grupo incrível de mulheres, não faria parte do instituto e não teria o conhecimento que tenho”, afirma.
Maria concorda. Ela teve câncer de mama há 12 anos, fez cirurgia, retirou uma mama, fez quimioterapia e todo o tratamento. A doença nunca mais se manifestou, e hoje ela se dedica a ajudar outras mulheres a enfrentar a doença.
“Apesar das dificuldades, ficam muitas coisas boas, as relações que se criam, a transformação pessoal. Eu tirei da minha vida as coisas ruins e mantive as boas. Você se vê em uma situação em que precisa escolher: ou levanta a cabeça e resolve viver ou morre, eu resolvi viver, somos todas sobreviventes. As pessoas perdem muito tempo com picuinhas e se esquecem de viver. A vida é um sopro”, afirma.
Ela ressalta a importância do apoio da família. “É complicado para a paciente passar por esse processo, pois além de a pessoa ter que se moldar ao tratamento, tem que conviver com a dor da família, que muitas vezes trata a doença como sentença de morte. Aliás, muitas pessoas encaram o diagnóstico como sentença de morte. Muitos familiares e amigos acabam dizendo às pessoas com câncer para não falarem, não se exporem e isso acaba atrapalhando a melhora, a autoestima”.
Por orientação de uma pessoa próxima, ele não tirou fotos quando se tratava. E hoje se arrepende. “Gostaria de ter essa recordação, pois é parte importante da minha história, que mudou toda a minha vida e da qual não tenho nenhuma lembrança”, explica.
Dificuldades no tratamento
Para Maria Machado, a principal dificuldade ainda enfrentada no trabalho realizado pela entidade é a demora no diagnóstico, pois para ter a confirmação do câncer a pessoa precisa passar por consultas e procedimentos até o exame que atesta a doença. “Os pacientes com câncer têm prioridade de atendimento nas instituições públicas, então, é importante confirmar a doença o quanto antes, mas esse processo ainda é muito demorado”, lamenta.
A demora no diagnóstico deixa pacientes e familiares em estado de angústia permanente e com a sensação de que está se perdendo tempo para o tratamento e, consequentemente, para a cura. Esperar, muitas vezes, é a única opção que resta para pacientes que não têm como recorrer a serviço particular de saúde.
O câncer de mama, por exemplo, quando descoberto no estágio inicial, tem 95% de chance de cura, o que possibilita à paciente ter mais qualidade de vida e um tratamento eficiente, com menor necessidade de recursos, procedimentos e número de horas de atendimento nos serviços de saúde. De acordo com a SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia), o longo processo para que os pacientes tenham acesso ao diagnóstico e tratamento faz com que a mulher passe por mastectomia (remoção total da mama) em 70% dos casos de câncer de mama diagnosticados no Brasil.
Dados da Fundação Oncocentro, de São Paulo, apontam que a taxa de sobrevivência cinco anos após o diagnóstico aumenta de 30% quando a doença é diagnosticada no estágio IV, para 82% quando é diagnosticada no estágio I.
O PLC (Projeto de Lei Complementar) 143/2018 determina que, mediante suspeita de câncer, a confirmação diagnóstica ocorra na rede pública de saúde em no máximo um mês, para dar chance aos pacientes iniciarem o tratamento mais rapidamente. O PL já foi aprovado por unanimidade em votação simbólica no plenário da Câmara dos Deputados e agora aguarda apreciação no Senado.
Se aprovada, a proposta adicionará um parágrafo na Lei nº 12.732, de 2012, conhecida como Lei dos 60 Dias, que determina que o tratamento oncológico deve iniciar em até 60 dias a partir da confirmação do diagnóstico do câncer registrado em exame anatomopatológico. Como a confirmação do câncer não tem hoje um prazo estabelecido, a efetividade da Lei dos 60 Dias pode ser reduzida pela demora nessa etapa. Caso o PLC 143/2018 seja aprovado, a legislação passaria a definir também um prazo de 30 dias para a fase de investigação da doença, totalizando o máximo de 90 dias entre a identificação dos primeiros sintomas do câncer e o início do tratamento.
“Isso poderia ser diferente, o exame preventivo não é caro, uma mamografia não é muito cara. Precisamos do apoio da gestão pública para acelerar esse processo e garantir aos pacientes o tratamento o quanto antes”, afirma Maria.
Comemorar a cada vitória
Bianca Terezinha de Souza, 38 anos, é um exemplo de como o diagnóstico pode demorar. Após descobrir o câncer de mama, em 2013, o diagnóstico demorou tanto, que em sete meses o tumor cresceu seis centímetros. Ela teve que fazer cirurgia para retirar o tumor antes mesmo de começar o tratamento, já que isso só pode ser feito após o diagnóstico. A descoberta ocorreu após sentir uma dor no braço, que pensou ser decorrência de muito tempo na direção. Após alguns dias, o ex-namorado percebeu um carocinho na mama. A doença se confirmou após um ultrassom e mamografia.
Bianca retirou o tumor em 2014, retirou uma mama, fez sessões de quimioterapia, radioterapia e, depois, hormonoterapia. Em abril do ano passado, ela descobriu que tem metástase – quando o câncer se espalha além do local onde começou (sítio primário) para outras partes do corpo. No caso dela, foi para o pulmão, fígado e para o fêmur. “Quando soube, perguntei: ‘Como se convive com esse diagnóstico?’ E a médica disse: vai pra casa, come o que quiser, faça o que quiser. Quer dizer, me deu uma sentença de morte”.
Mas Bianca não pensa no fim. Se mantém alegre, otimista. Ela conta que a metástase no fêmur já não existe mais, “desapareceu”. “Tenho uma boa autoestima, sofro por etapas e comemoro a cada vitória, cada fase vencida. Procurei me manter firme, moro sozinha com meus filhos e faço tudo, trabalhei até o ano passado”, conta.
Bianca conseguiu, por meio da Amucc, uma reconstrução de mama, que fará no próximo dia 26. “Estou muito feliz porque queria muito isso, com certeza a cirurgia me trará mais qualidade de vida”, explica.
Maria Machado, da Amucc, acrescenta que a luta é para todas. “Todas precisamos viver a vida da melhor forma possível, se uma paciente é paliativa, ela também deve ter a melhor qualidade de vida. Não sabemos quanto tempo vamos viver, ninguém sabe, então vamos fazer isso da melhor forma possível. Todos nós precisamos viver da melhor forma possível”, finaliza.
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